sábado, 20 de outubro de 2007

Chapada II – “Escorregá não é caí, é o jeito que o corpo dá”

Beto
Assim alertava nosso guia, o Beto, para termos atenção em levar um escorregão nas pedras lisas da Chapada Diamantina. Beto foi o guia mais cuidadoso e meigo que já tivemos em todos os nossos trekkings. O jeito simples e tranqüilo de ser do Beto nos encantou a mim e a Paulinha. Ele cuidou de nós em todos os momentos, sempre estava preocupado, sempre oferecendo suas mãos para nos apoiarmos nos trechos mais periclitantes das trilhas.

Beto é uma pessoa especial, ele é arrimo de família, ajuda a mãe, dá conta da pensão para o filho e faz seu trabalho com amor. Costumávamos dizer que ele era O CARA, o melhor guia! Ele ficava todo satisfeito e feliz! A doçura do Beto nos marcou.

Juninho
Para dar a volta ao Parque Nacional, passamos por 4 cidades; Lençóis, Vale do Capão, Mucugê e Igatu. Nosso motorista era o Juninho, com seu jipe montado artesanalmente (como as Ferraris!). Juninho é a alegria em pessoa, sempre alto-astral e bem com a vida. Ele chegou a fazer duas trilhas conosco, já no final. A buzina do jipe era um botão que ficava no painel e, naquelas estradas sempre vazias, quando outro carro ou alguma pessoa cruzava nosso caminho, Juninho buzinava e dava uma gargalhada muito gostosa. Nós ríamos da risada dele. Ele mesmo era o que mais se divertia com a saudação que recebia gerada por sua buzinada naquela estrada de ninguém. Era bonito ver isso.

Juninho também é uma pessoa muito simples. Quem vive numa grande metrópole tem essa consciência de que uma vida mais simples traz mais felicidade. Mas quando estamos lá convivenco com essas pessoas, aquilo nos toca de uma forma profunda. A forma como eles levam a vida, a simplicidade e humildade, aquela alegria genuína marcada no sorriso fácil vai lá no âmago. É um tapão na cara da gente (para o bem, claro).

Joel
Para que seja o emprego dos guias seja mantido, muitos guias das cidades locais é quem nos levam às trilhas. Mesmo tendo o Beto como guia principal, quando fomos visitar a Cachoeira do Buracão (o passeio mais diferente e exótico), o Joel foi quem nos guiou. Joel é forte e valentão. Ele saltava entre pedras e canyons que nos dava um frio na barriga só de ver. Era impressionante a destreza dele. Em algumas ocasiões, ele se ajoelhava e a Paulinha usava a coxa dele como apoio para passar um ponto o outro. Ele não se importava se a calça dele sujava com as nossas pisadas, era sempre prestativa e fez de tudo para nos ajudar. Foi ele também que me incentivou e me acompanhou para ir na cachoeira do Buracão. Eu usava um colete salva-vidas e o Joel não usava nada, foi nadando no braço, contra a correnteza ( e o Beto também!). Ficar embaixo da cachoeira do Buracão foi uma sensação indescritível. Mas só foi possível porque os dois guias, Beto e Joel me deram todo o suporte.

Ao retornar para as pedras onde as meninas estavam me senti vitoriosa e ainda mais feliz. É sempre um desafio quando tememos algo (tenho medo de muita água) e conseguimos transpor o obstáculo. Todos os dias, quando acabávamos a trilha eu agradecia a Deus por ter conseguido andar tantos quilômetros, nadar nas cachoeiras geladas, subir e descer montanhas e transpor as pedras sem ter me machucada, sem sequer, ficar com dor nos joelhos.

No dia seguinte também contamos com a valente companhia do Joel. Fizemos a trilha da Cachoeira da Fumacinha. Ao nos despedirmos do Joel, trocamos um forte abraço, agradecemos com muita alegria pela ajuda. Com brilho nos olhos e um sorriso sincero, Joel nos falou que ele é que se sente grato por ajudr, sente-se feliz por nós termos gostado do passeio. Foi lindo ver aquilo, apreciar o orgulho que o Joel tem de fazer parte daquele lugar especial e, principalmente, de servir aos turistas de uma forma tão especial.

Conhecer essas pessoas...
...e o modo de vida local nos traz uma experiência muito rica de vida e nos traz de volta um equilíbrio. Já em São Paulo, Paulinha e eu refletimos que, muitas vezes, nossa ambição é desmedida e que não precisa tanto para ser feliz. A cobrança da sociedade é muito forte, por isso, é bom sair da cidade, dar um tempo e ir para lugares longínquos. Ver a vida com outros olhos para estabelecermos um equilíbrio melhor para nosso dia a dia.
Quando fecho os olhos, ouço a voz grave do Beto nos alertando “escorregar não é cair, é o jeito que o corpo dá”. Um provérbio local que, simbolicamente, posso trazer para minha vida diária!

Um comentário:

Luís Fernando disse...

É isso aí Mônica, na verdade precisamos de muito pouco, quase nada, para viver.
Aqui na selva socio-cultural-econômica é fácil nos perdemos, requer muito mais atenção com a nossa vaidade e orgulho, não virtudes que muitas vezes são nutridas desfarçadamente pela ambição de "crescer". E aqui, esgoregá, pode ser caí sim!

Grande abraço pra vc.